Era um barco de aparência frágil, um minúsculo
ponto no meio do oceano. Quando decidiu soltar amarras e fazer-se à
aventura, riram-se dele. Acharam que não ia resistir ao embate constante
das ondas, aos caprichos das marés, à força seca e por vezes bruta do
vento. Ignorou os velhos do Restelo e partiu. Sabia o que queria e mesmo
sem mapa estava convencido que seria capaz de chegar ao destino.
Navegou meses a fio de olhos postos no horizonte, à procura de ver
terra. E quando finalmente uma trémula linha castanha foi ganhando
nitidez, saltou de euforia. Aportou entusiasmado e começou a explorar
tudo em volta, mas era uma ilhota pequena e despida. Pareceu-lhe
desinteressante e rapidamente se decidiu a seguir viagem.
Partiu sem
hesitações, sem sequer olhar para trás: o que procurava não estava ali.
Recomeçou a sua busca insistente. Nalguns momentos começava a sentir-se
cansado e para recuperar forças deixava-se ficar quieto, de olhos
fechados, sentindo o balanço suave das ondas a acariciá-lo. Voltava ao
leme recuperado, novamente de olhar posto no caminho em frente e seguro
de que chegaria ao destino.
Um dia, quando começava a desanimar, viu
novamente um ponto amarelado tomar forma e ganhou velocidade para se
aproximar da areia fina que lhe enchia os olhos. Entrou numa baía
paradisíaca e sentiu-se em casa. Saltou de euforia, correu às voltas na
praia e só depois de recuperar a calma iniciou a exploração. Descobriu
montanhas com uma vista de cortar a respiração, quedas de água onde se
sentia em paz, florestas luxuriantes, enseadas tranquilas e árvores
carregadas de fruto. Sentiu que seria capaz de ficar ali para sempre.
Durante algum tempo sentia-se feliz. Todos os dias encontrava um novo
local, desvendava um segredo, somava um novo momento de entusiasmo a
tantos que já levava naquela ilha. Vibrava e sentia-se vivo como nunca
antes tinha acontecido.
Mas um dia, inexplicavelmente, começou a
sentir-se cansado da rotina. As paisagens que antes lhe confortavam os
olhos pareciam-lhe subitamente desinteressantes. Por mais que
mergulhasse o fundo das enseadas já pouco de novo tinha para lhe dar.
Sentia-se inquieto e confuso. Crescia o desejo de voltar a partir, mas
tinha medo de não voltar a encontrar um abrigo tão seguro. Tudo lhe
parecia perfeito. Mas então por que não se sentia preenchido e em paz?
De tanto pensar no que havia para descobrir no vasto oceano, acabou por
decidir a fazer-se de novo ao mar. À sua frente haveria mil ilhas como
aquela, se calhar mais perfeitas. Não iria contentar-se com tão pouco
para o resto da vida. Quando começou a afastar-se ainda hesitou e por
momentos doeu-lhe a alma por ver o que deixava para trás. O mar vasto à
sua frente apagou-lhe essa dúvida. Ia prosseguir e fazer novas
descobertas. Ia valer a pena, repetiu para si próprio.
Quando a
tempestade o agitava no mar alto, acontecia-lhe pensar na segurança da
sua ilha e arrepender-se de não ter ficado. Nessas alturas ficava
abatido e sentia-se derrotado pela ambição de querer sempre mais. Fixava
as ondas e o céu cinzento e desejava que o mar o engolisse. Mas depois
de dias à deriva, em que nem tentava aproximar-se do leme e escolher o
rumo, o sol rasgava timidamente as nuvens e pouco a pouco a calma
voltava a reinar à sua volta. E mais uma vez olhava e procurava
entusiasmado, à espera que algo de novo tomasse conta dos seus dias.
Um dia viu e arregalou os olhos com o que via. Era uma formação rochosa
gigantesca, sob a qual uma gruta abria caminho para a praia mais bela
que já tinha visto na vida. Fez uma entrada tranquila e aproximou-se sem
pressas. Iniciou o primeiro de muitos dias de explorações intensas e
apaixonantes. A ilha era completa, com paisagens variadas e recursos que
pareciam infinitos. Ia envelhecer ali. Não tinha dúvidas.
Não
tinha? Não queria acreditar quando pela primeira vez sentiu uma dúvida
apertar-lhe o estômago. Sentiu-se minúsculo e perdido. O que lhe
faltava? Como saber onde queria chegar? Por que razão nada parecia
satisfazê-lo? Seria incapaz de encontrar a sua ilha perfeita, o seu
porto de abrigo?
Tantas perguntas moíam. Chegavam a doer de tão
fundas. Por mais que olhasse para dentro de si não encontrava as
respostas. Tornou-se inevitável partir. Se calhar pertencia ao oceano,
não à terra.
Foi a partida mais difícil e angustiada. Por várias
vezes voltou atrás e quis pisar de novo a terra. O apelo do mar
sobrepôs-se e acabou por se afastar até a ilha já não estar ao alcance
do olhar.
Navegava quase sem rumo, mais frágil que nunca. As imagens
do passado surgiam-lhe a todo o instante, revia as suas ilhas e as
saudades apertavam. Desejava reencontrá-las, voltar a sentir-se feliz.
Era preciso muito esforço para se arrancar da letargia em que as
recordações o deixavam. Olhava insistentemente à sua volta, na esperança
de descobrir alguma das ilhas em que já tinha sido feliz. Em vão.
Quando estava perto do desespero, atirou-se ao mar. Por segundos pensou
deixar-se levar sem oferecer resistência, pediu que um remoinho o
arrastasse para o fundo. Bastou um segundo sem ir à tona para se
arrepender. Nunca desistiria de lutar e procurar. Recuperou o equilíbrio
e viu uma pedra brilhante e azulada brilhar no fundo do mar, mesmo
debaixo dos seus olhos. Não seria fácil alcançá-la, mas só parou quando
conseguiu tê-la na mão. Era uma pedra misteriosa, que parecia
sussurrar-lhe quando a aproximava do ouvido. Sentiu-se maravilhado com a
força que parecia transmitir.
Quando a fixou com mais atenção,
percebeu que tinha os pontos cardeais inscritos e que lhe indicava o
norte. Sorriu, subitamente confortado. Não sabia ainda o que tanto mar
lhe reservava. Não sabia se alguma vez encontraria a ilha perfeita que
lhe acalmasse a agitação interior. Não sabia se voltaria a uma das suas
antigas ilhas, que se calhar eram a meta que procurava. Sabia, isso sim,
que já não andaria à deriva. A pedra azulada ajudava-o a descobrir o
caminho. Por mais que demorasse, o tempo haveria de lhe dar as respostas
certas. Os mistérios do desconhecido já não o assustavam.